“A transposição uterina foi a melhor opção que tive e a melhor decisão que nós (ela e o marido) tomamos”, afirma Angélica, mãe da Isabel, de cinco meses.
Como funciona a transposição uterina?
Trata-se de uma cirurgia minimamente invasiva, realizada com a tecnologia robótica, que retira o útero, as trompas e os ovários do seu local original e os reposiciona na parte de cima do abdômen, temporariamente, para preservá-los durante o tratamento de radioterapia realizado na região pélvica.
Isso porque, mesmo que não seja direcionada diretamente ao útero, o efeito colateral da radioterapia é nocivo aos óvulos, provocando infertilidade ou menopausa precoce.
De acordo com Ribeiro, cirurgião brasileiro responsável pelo desenvolvimento da técnica, a cirurgia é de baixo risco e as pacientes costumam receber alta um ou dois dias após o procedimento, podendo sentir dor ou desconforto no pós-operatório, “mas, no geral, elas têm uma vida relativamente normal, mesmo com o útero temporariamente numa posição anormal”.
Vale ressaltar que o útero continua funcionando normalmente, mesmo reposicionado, assim como a função ovariana. E, ao final das sessões, os órgãos reprodutivos são realocados no devido lugar.
A transposição pode ser indicada para pacientes que precisam de radioterapia para tratar tumores no reto, intestino, bexiga, vagina, vulva (entre outros) e casos de sarcomas, que são tumores malignos em tecidos moles, como os músculos, gorduras e tendões, em que apenas algumas sessões de radiação seriam o suficiente para gerar infertilidade.
Segundo Renato Moretti Marques, coordenador do Programa de Cirurgia Robótica em Ginecologia do Hospital Israelita Albert Einstein, há contraindicações para a transposição.
“É essencial que a doença não tenha comprometido o útero, trompas e ovários. E se essa paciente não tem ovários funcionantes, não é possível deslocar o útero, porque não teria como nutri-lo, e se ela já recebeu radioterapia pélvica também não dá para fazer essa cirurgia”, diz Marques, que também é coordenador do Departamento de Ginecologia Oncológica do Hospital Municipal Vila Santa Catarina.
Qualidade de vida das pacientes
Ribeiro enfatiza que hoje o propósito da oncologia não é apenas curar a paciente, mas também fazer com que ela tenha a mesma qualidade de vida que tinha antes de fazer o tratamento. Essa foi sua principal motivação para o estudo da cirurgia de transposição.
“Há dez anos, nós tentávamos curar o câncer a todo custo e até pecávamos pelo excesso. Hoje, não queremos só curar uma paciente com câncer, nós queremos curar e que ela tenha uma vida normal. Por exemplo, se tem um tumor na perna, nós não queremos amputar o membro, queremos curar e que a pessoa continue caminhando”, descreve o pesquisador, acrescentando que agora esse é um conceito muito importante em oncologia.
Para o coordenador do Programa de Cirurgia Robótica em Ginecologia do Hospital Israelita Einstein, existem outras alternativas reprodutivas, como técnicas de fertilização in vitro, “mas talvez essa seja a mais fisiológica, onde é possível preservar a fisiologia da parte interna do útero, que é chamada de endométrio, e a fisiologia do ovário, fazendo com que as pacientes possam ter gestações espontâneas. Por isso esse pode ser o melhor caminho a ser seguido”.
Transposição uterina em fase experimental
Embora já tenham sido realizadas várias cirurgias, a transposição uterina ainda é um estudo experimental.
A técnica já foi apresentada em um congresso internacional de ginecologia oncológica, em 2016, e atualmente está em fase de publicação do estudo.
A primeira cirurgia foi realizada em outubro de 2015 no Brasil pelo médico e pesquisador Reitan Ribeiro e, desde então, passou a ser adotada em vários países, como Alemanha, Rússia, Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Israel, entre outros.
Dezenas de pacientes já fizeram a transposição uterina, sendo vinte só no Brasil.
Entretanto, há histórico de casos sem sucesso em que o útero necrosou após um coágulo ter entupido a artéria, impedindo a nutrição do órgão da paciente.
Marques diz que “ela iria perdê-lo de qualquer forma devido ao tratamento de radioterapia, então essa é uma chance de a paciente preservar o órgão reprodutivo”.
Esse é um estudo experimental em fase 3, feito com as próprias pacientes, a longo prazo.
“Tem duas cirurgias que servem de base e a combinação delas acaba se tornando essa terceira cirurgia, e agora estamos na fase 3 dos estudos, com grande número de pacientes para avaliar a longo prazo, porque têm pacientes que ainda nem tentaram engravidar ainda, porque são muito jovens”, explica Ribeiro.
A técnica ainda não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde).
“Para ser inserido ao SUS, precisamos fazer uma solicitação à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), responsável por avaliar o pedido, ver se é economicamente viável e se a literatura justifica. Então, eles precificam e, por fim, autorizam. Esse processo pode levar de um a dois anos e, talvez, até mais”, avalia Ribeiro.
Segundo Ribeiro, quatro hospitais no Brasil têm autorização da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para fazer essa cirurgia. São eles: Hospital Erasto Gaertner, Hospital Israelita Albert Einstein, A.C.Camargo Cancer Center e o Instituto de Câncer de Manaus.
“É bom deixar claro que é uma cirurgia que está sendo feita com aprovação da Conep, e está sendo realizada dentro de hospitais de referências, porque as pessoas podem questionar se eu realmente posso fazer isso, e sim, eu posso”, esclarece Ribeiro.
Para realizar o procedimento, mulheres em idade fértil diagnosticadas com câncer na região pélvica e que têm interesse em realizar a técnica de transposição uterina podem pedir ao seu médico uma guia de encaminhamento para o Hospital Erasto Gaertner (PR), solicitando a avaliação para inclusão no estudo.
A equipe médica vai avaliar o caso para checar se realmente está dentro das indicações da pesquisa, que é realizada desde 2017 sem custos às pacientes e, caso seja selecionada, será iniciado o protocolo de atendimento.
Fonte: BBC
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyd8l2qnz63o