Notícias

Costureira e enfermeira, mãe e filha, criam máscaras de baixo custo com eficácia semelhante à N95

Lisandra Risi e Dona Luci uniram forças durante a pandemia; Movimento Rio pela Vida vai distribuir 10 mil exemplares

Do subúrbio carioca, surge uma nova esperança. Lisandra Risi, cria de Ramos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisadora e doutoranda em Tecnologias de Saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) elaborava uma tese sobre reabastecimento de materiais para o famoso Réveillon da cidade quando a pandemia mudou o rumo de tudo. Ela parou a pesquisa e começou, do zero, uma nova. No meio da falta de insumos como EPIs e álcool em gel, teve a ideia de produzir uma máscara econômica, possível de ser feita em casa.

— Como estava faltando tudo, pensamos em uma solução para proteger nossos alunos. Lembrei que na Gripe Espanhola as máscaras eram de pano e, na Segunda Guerra, também. Então eu peguei a tecnologia da máscara cirúrgica, que tem um elemento filtrante no meio, e apliquei às máscaras de pano. A máscara só pode ser considerada segura se tiver um elemento filtrante, e existe uma norma brasileira para isso. Eu falei para a minha mãe, que é costureira, que colocaríamos três camadas de tecido e o elemento filtrante seria a quarta camada  — explica a enfermeira.

Lisandra e a mãe, dona Luci, iniciaram, então, os testes em casa. Acendendo o fósforo, viram que com a camada de celulose, a chama não apagava com um sopro. O desodorante aerosol também não ultrapassava a máscara. Os testes eram satisfatórios. As máscaras de tecido tinham barreira protetora similar à N95 e à máscara cirúrgica, por um custo muito menor. Enquanto uma máscara N95 custa entre 20 e 40 reais, a LisLu20 — nome dado em homenagem à desenvolvedora Lisandra, sua mãe Luci e aos 200 anos de nascimento de Florence Nightingale, pioneira da enfermagem — tem um custo de produção de cerca de R$3.

— Começamos a fazer em casa, eu e minha mãe. Tomamos todos os cuidados: as máscaras são passadas, estão prontas para uso, e as instruções foram desenvolvidas a dez mãos. São orientações de fácil entendimento. Os ensaios foram orçados com a ajuda de amigos e parentes. Eu não sou bolsista Capes — lembra a professora.

A Lislu20 tem três camadas de tecido e uma de celulose, do filtro de café Foto: Acervo pessoal

Com o tempo, a criação foi tomando proporção: uma amiga de Lisandra levou as máscaras para cem grávidas de uma unidade básica de saúde no Mato Grosso, e os filhos dessas grávidas ganhavam face shields acolchoadas para bebês. A Fiocruz gostou da ideia e resolveu divulgar o projeto. Hoje, a LisLu20 está com o pedido de registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) encaminhado. Segundo ela, o objetivo inicial do projeto era oferecer segurança aos internos, mas hoje, os resultados mostram que é possível oferecer a máscara também à população por um baixo custo.

— O pessoal do Rio Pela Vida comprou a ideia e fizemos uma primeira entrega. A princípio, eles querem doar 10 mil máscaras. Na sexta-feira vamos distribuir no BRT. Temos uma costureira que ficou com a filha na Central do Brasil, costurando as máscaras — relata, orgulhosa, Lisandra.

Lisandra já foi funcionária da aviação por sete anos. Formada em Enfermagem desde 2004, ela atuou numa grande rede privada de saúde e adquiriu, segundo ela, muitos ensinamentos que foram essenciais para a ideia da máscara com filtro de celulose. O filtro de café, utilizado para a filtragem do ar, só fica atrás dos filtros elaborados pela indústria especializada.

— Trabalhando na rede privada, aprendi a classificar materiais, a enxergá-los por várias nuances e a substituí-los por similares. Quando faltava material eu já sabia qual poderia usar no lugar. Eu validava isso tecnicamente, então fui treinada. Como enfermeira de suprimentos, conheci todos os fornecedores possíveis dentro do nicho hospitalar — diz.

A produção das máscaras é 100% caseira. Foto: Acervo pessoal

Então enfermeira de suprimentos, Lisandra fez o concurso para ser professora da Uerj, mas nem esperava mais conseguir ocupar a vaga, já que o tempo entre a aprovação no concurso e a posse do cargo foi longo. Para ela, que se desdobra entre a consultoria, o doutorado, os alunos e a produção das máscaras, dar aulas é a realização de um sonho. Todo o recurso para a produção veio por meio de vaquinhas solidárias. Lisandra não pode pedir bolsa de pesquisa porque é enfermeira consultora em hospitais. Divorciada, ela se reconhece como workaholic.

— Eu sempre disse que queria morrer sendo professora. Quero encerrar minha carreira ensinando um pouco do que aprendi, que não é pouco, e continuo aprendendo até hoje. Quando recebi o e-mail, fiquei muito surpresa. Quase quatro anos esperando para ser professora! Hoje, dou aula na universidade, tenho um projeto de tecnologias em saúde, construímos uma liga acadêmica. Voltamos às aulas presenciais desde setembro de 2020 para os alunos do sétimo e do oitavo período. — conta.

A mãe de Lisandra, dona Luci, é artesã, costureira e pedagoga. Para criar os filhos, ela se especializou em vestidos finos de festas, como os de noivas, debutantes, madrinhas e daminhas.

— Às vezes, eu chegava da aviação depois do último voo, que era 0h30, e ia ajudar minha mãe a bordar vestidos de casamento. Foram muitos anos assim. Tudo o que eu sou, devo a ela. Minha mãe pinta panos de prato, telas e o que mais aparecer. Às vezes, quando eu olhava, ela estava pintando uma rosa em uma máscara; já fizemos mais de 1.500 máscaras. Quando a Flávia [Oliveira] escreveu o nome da minha mãe, ela ficou muito lisonjeada. Ver o nome da nossa mãe no jornal não tem preço. —  diz Lisandra, emocionada.

Em dezembro, a enfermeira foi diagnosticada com Covid-19 e teve de se isolar em casa. Perdeu 19 kg, boa parte do cabelo e dois amigos. Apesar de não ter precisado ficar internada, Lisandra ficou muito abalada. O diagnóstico ocorreu pouco antes das festas de fim de ano. Como enfermeira, viveu momentos de extrema tristeza vendo amigos de profissão morrendo. Chegou a se questionar se todo o esforço valeu a pena e viu toda a batalha perder o sentido.

Hoje, vacinada e vendo parte da família também imunizada, ela respira aliviada. E é por histórias como essa que tudo continua valendo a pena. Enquanto há quem lute pela vida e para proteger pessoas, sempre vale.

 

Fonte: O Globo

https://oglobo.globo.com/celina/costureira-enfermeira-mae-filha-criam-mascaras-de-baixo-custo-com-eficacia-semelhante-n95-25065986

Outras matérias relevantes