Os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras travam uma luta para conseguir a aprovação do PL 2.564/2020, que tramita no Senado Federal. A proposta fixa um piso salarial para a categoria e insere, como base, 30 horas semanais pela jornada de trabalho para esses profissionais. No entanto, há muitas dúvidas em relação ao projeto e como os profissionais serão remunerados, caso a matéria seja aprovada e vire lei.
ENTENDA O PROJETO
O projeto prevê que a remuneração nacional para os profissionais na área de saúde e os valores são válidos para União, estados, municípios, Distrito Federal e instituições de saúde privadas.
- Enfermeiros: R$ 7.315,00 mensais por 30 horas trabalhadas por semana.
- Técnicos de Enfermagem: receberão 70% do piso dos enfermeiros, trabalhando por 30 horas semanais (R$ 5.120).
- Auxiliares de Enfermagem e as Parteiras: receberão 50% do piso dos enfermeiros, também trabalhando por 30 horas semanais. (R$3.657).
Segundo o projeto original, qualquer um desses profissionais poderá trabalhar mais que 30 horas semanais, mas o cálculo de remuneração será proporcional ao salário-base, de R$ 7.315,00 mensais. Ou seja, se um enfermeiro trabalha em um emprego por 40 horas semanais, ele deverá receber, proporcionalmente, ao novo piso o valor de R$ 9.753,33.
PANDEMIA
Com a pandemia, os profissionais de saúde tiveram muita visibilidade e demanda. A maioria está exausta pelo excesso de carga horária. Três milhões de profissionais entre enfermeiros, técnicos e auxiliares estão na linha de frente do combate à pandemia da COVID-19 e 784 deles morreram infectados até o início deste mês e muitos outros contraíram a doença e ainda enfrentam as sequelas.
O senador Fabiano Contarato, autor do projeto, disse que a aprovação da matéria constitui uma oportunidade única para reparar a dívida histórica do país com os profissionais de enfermagem. “Eles não querem apenas aplausos, querem efetivamente dignidade. E dignidade passa por valorização salarial e carga horária”, disse.
A Presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Betânia Maria dos Santos, avalia que os membros da categoria estão “exaustos” e “adoecendo fisicamente e psicologicamente” sob a pressão de baixos salários e carga horária excessiva. O Diretor do Cofen, Gilney Guerra, está empenhado em conseguir a aprovação do PL. “Estamos há mais de 20 anos nessa luta e o momento é muito propício para que esses direitos sejam votados e aprovados. É uma categoria que nunca foi valorizada do ponto de vista salarial e sabemos, mais do que nunca, da importância dos profissionais da saúde para a sociedade”, afirmou.
A enfermeira no Hospital Emílio Ribas (SP), primeira profissional de saúde vacinada contra COVID 19 no Brasil, Mônica Calazans, salientou as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de enfermagem diante da pandemia e pediu empenho dos senadores a favor do PL. “Nós precisamos dessa aprovação para sermos mais valorizados. Vamos nos esforçar e olhar com carinho para termos uma nova visão para a área da enfermagem.”
A senadora Zenaide Maia, relatora do PL 2.564/20, deu seu parecer favorável. “Com um piso salarial nacional poderemos oferecer serviços de saúde, com qualidade, a todos os brasileiros. Não é razoável exigir que, justamente aqueles que trabalham nas piores condições recebam os piores salários ou remunerações. Em suma, a valorização desses profissionais trará uma melhoria na qualidade do atendimento e haverá um estímulo à interiorização dos mais competentes.”. Ela, no entanto, acrescentou uma emenda ao projeto de que a jornada normal de trabalho desses profissionais não será superior a 30 horas semanais. O texto original determinava que o valor do piso seria aumentado proporcionalmente para cargas horárias maiores.
“A gente já mostrou que, com essa reforma tributária, tem, sim, de onde tirar recursos. E a própria Constituição já diz, no artigo 7º, que os trabalhadores têm direito a um piso salarial conforme a extensão e a complexidade do seu trabalho”, concluiu a relatora.
CONTRARIEDADES
Algumas entidades, no entanto, já se manifestaram contrárias à proposta. O presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), também prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Victor Coelho, assinou documento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) junto com outras 26 entidades manifestando contrariedade ao PL. Apesar de afirmar que “entende a necessidade de valorização dessas carreiras”, a CNM, juntamente com as demais organizações, defende que a iniciativa “leva a frágil situação fiscal dos municípios ao colapso imediato, num momento de tanta dificuldade que as gestões estão passando com a guerra contra a COVID 19”.
Segundo a CNM, caso seja aprovado, o projeto causará impacto financeiro de R$ 49,5 bilhões por ano aos municípios brasileiros. “Uma bomba fiscal para as combalidas administrações locais, que sozinha consumiria mais da metade do Fundo de Participação dos Municípios [FPM] distribuído durante um ano”, afirma.
Dados do documento trazem que o piso estabelecido pelo projeto corresponde a 1,8 vezes o salário médio referenciado em 30 horas praticado hoje. De acordo com a CNM, os técnicos de enfermagem correspondem ao maior quantitativo de profissionais da enfermagem empregado nas gestões municipais. O piso defendido pelo projeto, afirma a entidade, é 2,6 vezes maior do que o salário médio.
O levantamento da CNM também aponta que, na maior parte dos estados, os pisos dos enfermeiros e auxiliares propostos ultrapassam três vezes a remuneração atual. Já no caso dos pisos dos técnicos, é quatro vezes maior. As médias salariais, segundo a CNM, são referenciadas em 30 horas semanais e foram apuradas pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2019, utilizando também dados aferidos a partir do Datasus.
A CNM também ressalta “que a maioria dos municípios está permanentemente sob a ameaça da inviabilidade de receber transferências voluntárias por conta do limite de despesa de pessoal acima do limite prudencial”. Além disso, “a Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF] veda a geração de despesa sem a criação da respectiva fonte de custeio”. O documento diz que o projeto não aponta a fonte de recurso para “o brutal aumento de despesa”.
Entidades médicas, hospitalares e de planos de saúde também se posicionaram contra em relação ao projeto: Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramg), Confederação Nacional de Cooperativas Médicas (Unimed), Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) e Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
No documento enviado ao Senado, as entidades alegam que a aprovação do projeto de lei significaria um impacto financeiro de R$ 54,5 bilhões para o setor de saúde, sendo R$ 18,5 bilhões para o setor público e R$ 36 bilhões para o setor privado.
“O projeto mexe com muitos setores da economia e muitos interesses, no entanto é importante que consigamos um ponto intermediário para que os profissionais de saúde sejam valorizados e, ao mesmo tempo, as entidades possam apoiar a categoria nessa valorização”, finalizou Gilney Guerra.
O projeto está no Senado Federal sob regime de urgência e conseguiu apoio de 55 senadores. Por causa disso, o relatório deve ser lido nos próximos dias. Acompanhe em nosso site as informações.
Por Michelle Araujo
Jornalista