Opinião

O piso da enfermagem e os custos da saúde

Se projeto for sancionado sem que se saiba de onde virão os recursos, teremos uma crise no setor

piso da enfermagem foi aprovado no início de maio pelo Congresso Nacional sem que se encontrasse resposta para uma questão crucial: como viabilizar o pagamento dos valores estipulados no projeto de lei. Em termos práticos, a menos que se indique quais serão as fontes de custeio, não será possível pôr, em prática, o piso nacional sem quebrar estados, municípios, Santas Casas e boa parte dos pequenos e médios hospitais privados.

O Legislativo não levou em consideração o pacto federativo, pois em princípio apenas chefes dos Executivos estaduais e municipais poderiam conceder aumentos de salário para os servidores públicos de seus entes federativos. O que está posto agora para o Congresso, portanto, é encontrar a fórmula que resolva esse dilema, caso o presidente da República venha a sancionar a lei, pois, do contrário, estaremos diante de um caos na saúde privada, além de um flagrante desrespeito às premissas constitucionais, que garantem o bom funcionamento do sistema federativo brasileiro.

O dilema tem valores e endereços definidos. Estudos de entidades do setor de saúde, corroborados por um grupo de trabalho criado na própria Câmara dos Deputados, apontam que o piso da enfermagem, da forma como foi aprovado, com mínimo inicial para enfermeiros de R$ 4.750, sendo 70% desse valor para técnicos e 50% para auxiliares e parteiras, resultará em custos anuais de R$ 18,4 bilhões, assim divididos: R$ 6,3 bilhões para o setor público, R$ 6,2 bilhões para entidades sem fins lucrativos e R$ 5,8 bilhões para entidades com fins lucrativos. A conta, note-se, é desigualmente distribuída, pois o piso aprovado impõe esses valores sem considerar diferenças entre regiões, estados e municípios. No estado de São Paulo, por exemplo, os aumentos a serem concedidos aos técnicos de enfermagem ficarão 40% acima da média salarial praticada atualmente. Na Paraíba, esse aumento será de 180%.

Abordar questões tão sensíveis não significa opor-se à categoria dos enfermeiros, ao contrário. É alertar para o fato de que, se o projeto for sancionado sem que se saiba de onde virão os recursos para pagar o piso, teremos uma crise de grandes proporções no setor, o que trará prejuízo inclusive para os profissionais que se quer beneficiar. Governadores e prefeitos precisarão assumir, à revelia, um aumento substancial de gastos, e é provável que daí decorra uma guerra judicial entre os entes da federação, pondo em questão a constitucionalidade da lei.

O piso vai estrangular inclusive o setor privado, pois boa parte dos estabelecimentos não tem condições de absorver tal elevação dos gastos. Hoje, 50% das despesas de um hospital são com a folha salarial. Sendo que, desse total, 50% em média dizem respeito somente à equipe de enfermagem. Ou seja, 25% dos custos dos hospitais correspondem hoje aos salários de enfermeiros, técnicos e auxiliares. O piso poderá representar uma elevação de mais de 20% nos custos totais dos hospitais, do dia para a noite. É muito provável que tamanha elevação de gastos produza efeitos desastrosos, como o fechamento de hospitais e demissões. São efeitos colaterais que não interessam aos trabalhadores, às instituições, ao Estado e nem à população.

Esses eram os receios que moviam as entidades setoriais a questionar a ideia do piso nacional. Apesar de todos os riscos, o projeto foi aprovado. Cabe agora aos parlamentares adotar medidas para minimizar ou mitigar os impactos negativos da lei, que se abaterão sobre o emprego, a qualidade da assistência à saúde no SUS e na saúde suplementar, e sobre a sustentabilidade do setor.

Entre outras medidas desejáveis estão o auxílio financeiro aos hospitais beneficentes, o reajuste das tabelas que o SUS utiliza para remunerar serviços aos seus prestadores e a inclusão da saúde entre os setores contemplados com a desoneração da folha de pagamentos, além de outros impostos. Sobretudo, é fundamental que se conceda à discussão da matéria o tempo necessário e que os parlamentares ouçam com atenção os representantes do setor, em especial os mais diretamente afetados, para que se encontre a saída mais adequada a todos.

 

Fonte: Jota

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-piso-da-enfermagem-e-os-custos-da-saude-01082022

Outras matérias relevantes