Opinião

O Brasil que Vai Dar Certo!

Fenômeno na internet, o médico otorrinolaringologista e presidente da Unimed Fortaleza, Elias Leite, viralizou com vídeos que grava diariamente desde o início da pandemia, em março de 2020, cuja hashtag #VaiDarCerto! é o carro chefe. Sua página no Instagram já possui cerca de 700 publicações, com média de 100 mil visualizações, sem contar os compartilhamentos e as postagens em seu canal no YouTube. Os vídeos são gravados no próprio celular do médico em cenários que variam dentro do hospital: nos corredores, passando pelas salas de atendimento e até dentro dos hospitais de campanha. Ele também costuma fazer um balanço do número de casos e óbitos causados pelo coronavirus no Ceará e no Brasil. O médico sempre encerra seus vídeos com a frase otimista “Vai dar certo!”.

O bordão começou a ser reproduzido por cidadãos, estabelecimentos e marcas, sempre em busca de valorizar e enaltecer o trabalho dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia de Covid-19. A mensagem se tornou viral nas redes sociais, com empresas como McDonald’s, Normatel Home Center e Ibyte aderindo à campanha, estampando a mensagem em suas fachadas, distribuído adesivos ou utilizando, no mundo digital, a hashtag #vaidarcerto que ultrapassou a marca de 15 milhões nas redes sociais.
Em vôo de São Paulo para Fortaleza, o jornalista Flávio Liffeman que também é cearense, sentou ao lado do médico e conseguiu essa entrevista exclusiva. Em 2022, o médico deixa presidência da Unimed em Fortaleza para assumir um cargo na Diretoria da Unimed Nacional em São Paulo.

O gestor ressalta que “é fundamental sermos claros com a população sobre a situação que estamos vivendo”, mas “é também muito importante mantermos um otimismo responsável diante desse cenário e por isso faço questão de finalizar todos os vídeos com o ‘vai dar certo’”. “Nas vezes que, por algum motivo, não falei a frase, as pessoas me cobraram, dizendo que precisavam ouvir essa mensagem para acreditarem que tudo isso vai passar”, destaca o médico.

Na entrevista, Elias Bezerra Leite fala da importância da enfermagem, da ideologia política, de fake News e da esperança que não cessa, mesmo nos momentos mais difíceis.

A expressão “Vai dar certo” já habitava o vocabulário cearense pra dizer que coisas boas irão acontecer. Como surgiu a ideia de usar essa frase para assinar os boletins em vídeos sobre o Covid?
Na verdade essa frase não foi pensada, nem programada. Quando a pandemia começou, vi o quanto as pessoas estavam desesperadas, sem notícias. As informações que tinham eram conflituosas, muito ligadas às ideologias políticas, polêmicas e fake news. Então, comecei a divulgar a informação real com a quantidade de números e o que estávamos fazendo para atender as demandas. Os vídeos, inicialmente, começaram a ser enviados para cooperados e colaboradores pelo whatsapp. Vimos também a necessidade de informar aos nossos clientes. Essas pessoas começaram a repostar esses vídeos e um dia eu tive a sensação que essa onda de solidariedade alcançava não só ao público, mas a nós também e, espontaneamente, eu encerrei o vídeo dizendo: Tenham certeza que nós profissionais de saúde estamos fazendo tudo que é possível. Então vai dar certo! Algo que veio da alma e do coração.

Quando você percebeu que VAI DAR CERTO se tornou um mantra?
Eu acho que é a primeira vez que eu percebi que o “Vai dar certo” tava pegando e realmente virando mantra foi em um dia muito conturbado em que demorei muito a mandar o vídeo. Quando olhei meu WhatsApp, centenas de pessoas me perguntando “Cadê o vídeo?”. Então, gravei rapidamente, mandei, postei e continuei trabalhando. Cerca de 50 minutos depois havia cerca de 300 mensagens perguntando “Porque que você não disse que vai dar certo hoje? Naquele momento eu percebi que eu não conseguiria mais deixar de dizer que vai dar certo, porque estava ajudando as pessoas.

Como médico e administrador, como você dimensiona o papel da enfermagem na pandemia de Covid-19?
A Enfermagem tem um papel fundamental na prestação de serviço que a gente faz, não só na pandemia. Eu sempre digo que a enfermagem é o link que mais permeia dentro de um hospital ou unidade de saúde, porque ela está lá, ajudando a fazer tudo aquilo que precisa ser feito, fiscalizando tudo aquilo que precisa ser feito. Eu tenho uma gratidão muito grande pelos nossos profissionais de enfermagem, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Bem como os outros profissionais de saúde: fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. O que vivenciamos desde o ano passado mostrou que todo mundo se ajudou. Numa situação normal já são fundamentais – agora nessa pandemia – foram primordiais e fundamentais porque eles são a linha de frente. Sem eles não conseguiríamos salvar tanta gente. Tenho muita gratidão a todos eles.

Em alguns dos diários em vídeo dá pra sentir o choro contido e o esforço para controlar a emoção. Difícil saber que você perdeu colegas de profissão, parentes e amigos. Qual o reflexo da pandemia na sua vida profissional e pessoal?
Com certeza muitos dias eu chorei. Foram poucos dias que eu não chorei. Muitas vezes eu fiz os vídeos segurando choro ou então tendo acabado de chorar. Teve alguns dias bem difíceis, como por exemplo, o dia do fechamento do primeiro hospital de campanha…eu estava muito emocionado. Outro dia difícil foi 13 de maio de 2020, quando alguns hospitais da rede ameaçaram fechar suas emergências por lotação. Naquele dia vivi uma sensação de impotência. Tive medo, mas de manhã cedo gravei um vídeo dizendo que não iríamos fechar nenhum hospital. Uma nova onda estava lotando os espaços e eu disse: “Acreditem comigo, vai dar certo!” e deu, está dando. Realmente isso mexeu muito comigo. Como pessoa, acho que devo ter melhorado como ser humano e passei a rever minhas prioridades, a dar menos valor às coisas materiais e muito mais atenção ao que nos engrandeça o espírito, de crescimento como ser humano.
Dizem que herança é o que você deixa para as pessoas. Mas legado é o que você deixa nas pessoas. Nunca me senti tão útil como me sinto agora.

Essa pergunta é inevitável: Mesmo com a variante Delta e outras que possam surgir, ainda assim, VAI DAR CERTO?
Com certeza! Muitas pessoas confundem o não vai dar certo, com o não vai morrer ninguém. Não é nada disso. Vai dar certo. Não escolhemos entrar nessa guerra, mas podemos escolher a forma que vamos lutar. Nunca houve nenhuma grande crise da humanidade que não fosse vencida. Essa não vai ser diferente. É preciso que as pessoas entendam que aconteça o que acontecer a maior parte de nós vai continuar viva e as pessoas que estão doentes, que estão na linha de frente, que perderam entes queridos, precisam ter força para continuar. Nós precisamos continuar lutando e fazendo a nossa parte. Dessa maneira, vai dar certo!

 

Flávio Liffeman
Jornalista

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