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‘Bagunça’ e desperdício: ex-chefe do PNI critica vacina para adolescente antes de adultos em Betim

Para Carla Domingues e outros especialistas ouvidos pelo G1, imunizar adolescentes sem comorbidades antes de pessoas mais velhas, como anunciou a prefeitura de Betim (MG), é uma estratégia equivocada. O Município de Cacoal (RO) também está vacinando menores, desde que tenham comorbidades.

Nesta terça-feira (15), a prefeitura de Betim (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, anunciou que vai vacinar adolescentes da rede municipal de ensino com idades entre 12 e 14 anos a partir de quarta (16).

A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações de 2011 a 2019, avalia que aplicar as doses nesse grupo é um desperdício.

“[É] desperdiçar doses. Essas vacinas estão sendo distribuídas para vacinar grupos com comorbidade, a população acima de 50 anos – que efetivamente é o grupo que tem maior risco de adoecer, ter complicação e óbito. Sequer terminou esse grupo [em Betim] e já está indo vacinar adolescente, que é o grupo com menor risco”, diz.

“A bagunça está generalizada totalmente no país. Não tem nenhum critério, cada um fazendo o que pensa”, completa Domingues.

Contra a determinação do Ministério e da OMS

A determinação da Prefeitura de Betim vai contra a orientação do Ministério da Saúde. Apesar de os estados e municípios terem liberdade para alterar a ordem de vacinação dentro dos grupos prioritários, o governo federal liberou a vacinação por idade em ordem decrescente, ou seja, dos mais velhos para os mais idosos.

“A ampliação da vacinação para adolescentes a partir dos 12 anos, com o imunizante da Pfizer, está em discussão na Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis. (…) Neste momento, a prioridade é vacinar todos os grupos prioritários estipulados pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 e imunizar toda a população acima de 18 anos”, informou o Ministério da Saúde.

Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é contra a vacinação de crianças no atual momento e diz que os países ricos deveriam adiar seus planos de imunizar crianças e doar as vacinas para o resto do mundo.

Incoerente

O infectologista e pediatra Marcelo Otsuka, coordenador do comitê de infectologia pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, avalia que “não é coerente” vacinar crianças antes de adultos – porque elas tendem a ter casos menos graves da doença e, até onde se sabe, transmitem menos.

“Pela gravidade da doença, não tem razão começar com paciente pediátrico. Nós devemos continuar vacinando os adultos. Considerando que a criança não é grande transmissor, que a gravidade é maior nos adultos, não tem por que vacinar as crianças e deixar de vacinar os adultos. Não é coerente”, afirma.

A única ressalva, para Carla Domingues, é se as crianças e adolescentes tiverem alguma comorbidade ou deficiência. Nesse caso, devem ser priorizados.

“Crianças e adolescentes com comorbidades e deficientes de 12 a 18 anos deveriam ser priorizados. Eles são os que mais têm dificuldade de manter o distanciamento, uso de máscara e poderiam ser beneficiados não só com o retorno à escola como às terapias”, pondera.

Na segunda (14), a cidade de Cacoal (RO) já havia dito que vacinaria menores de idade que tivessem comorbidades, que entraram como grupo prioritário. Ao mesmo tempo, a cidade está imunizando pessoas de 54 anos ou mais sem comorbidades.

A epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), avalia que é importante que prefeituras e estados tomem decisões com base em indicadores epidemiológicos – como o aumento de casos graves em uma determinada faixa etária.

“Eu não sei qual foi a motivação para vacinar esse grupo [em Betim] ao invés dos grupos de maior faixa etária, já que hoje, no Brasil como um todo, a gente está tendo uma internação maior das pessoas entre 40 e 50 anos. Também tivemos um aumento grande de 20 a 29 anos. Eles teriam que mostrar por que esse grupo é mais importante epidemiologicamente de ser vacinado para estar neste momento de forma mais prioritária”, avalia.

“Também não faz sentido vacinar só as pessoas da rede municipal”, observa.

Falta de doses

O consultor em saúde Januário Montone, ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo, concorda com a avaliação dos colegas – ele afirma que não vê fundamento em vacinar adolescentes (sem comorbidades ou deficiências) agora.

Montone lembra que a única vacina aprovada para menores de idade no país é a da Pfizer e que o país sofre com a falta de doses.

“Não é uma questão de ser contra vacinar crianças com uma vacina disponível. Quem está fazendo isso são países que têm vacinas sobrando ao ponto de distribuir pro resto do mundo, como os Estados Unidos. Não é o nosso caso”, lembra.

Para o ex-secretário, o momento de pensar na vacinação de menores de idade seria quando toda a população acima dos 18 anos já estivesse imunizada.

“Alguns especialistas, epidemiologistas, têm defendido que se antecipe a vacinação [de crianças] com comorbidades para que elas possam, por exemplo, retornar às aulas. Mas, independentemente disso, de forma geral, nós devemos priorizar a população acima de 18 anos por faixa decrescente de idade”, avalia.

Ele lembra que há planos de vários estados de vacinar toda a população adulta até setembro. (Goiás, Rio Grande do Norte, São Paulo, Paraná, Pará e Rio Grande do Sul são alguns deles).

“A partir daí, você poderia começar a pensar em vacinar menores de 18 anos. Até esse momento, é um erro do ponto de vista do uso razoável e consciente das [doses] disponíveis”, opina Montone.

 

https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/06/15/vacinar-adolescentes-contra-covid-agora-e-desperdicar-doses-diz-ex-coordenadora-do-pni-sobre-decisao-de-betim.ghtml

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